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A um mês do fim, GLO do Mar tem resultados modestos na apreensão de droga no maior porto da América Latina

Posted by: | Posted on: abril 6, 2024

Já estava perto de escurecer quando o sargento Alcides Barreto, que auxiliava dois mergulhadores da Marinha no cais do Porto de Santos, sentiu três toques na corda esticada em sua mão. O sinal é uma comunicação entre quem dá suporte ao mergulho, do lado de fora do mar, e aqueles que, debaixo d’água, procuram no casco do navio a droga escondida por facções criminosas. Significa que quem desceu até o fundo está retornando para a superfície. Na tarde da terça-feira (2), a equipe teve êxito. Ocultos num compartimento submerso da embarcação, oito pacotes em sacos pretos somavam 212 quilos de cocaína. Se não desvendada, a mercadoria ilícita seguiria até a Alemanha.

— A droga estava amarrada em tubulações e estruturas da caixa de mar (abertura no casco do navio para controlar a entrada e a saída de água em sistemas de resfriamento do motor) — explicou Barreto, o primeiro mergulhador da Marinha a chegar a Santos para combater o tráfico internacional, há seis anos.

A apreensão da última semana interrompeu um marasmo de meses. Desde que o governo convocou a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) nos portos e aeroportos, em novembro, foi a primeira vez que mergulhadores destacados para reforçar a equipe de Barreto no Porto de Santos, o maior da América Latina, encontraram drogas no casco de navios. Nesses cinco meses, os cerca de 319 militares que chegaram ao litoral paulista para integrar a força-tarefa, quase dobrando o efetivo no terminal, apreenderam 299 quilos de droga em quatro episódios. Em comparação, no último ano, foram confiscadas 8,1 toneladas. A queda expressiva na apreensão, inclusive nos cascos das embarcações, modalidade até então bastante usada, ocorreu à medida que a fiscalização foi ampliada e inibiu a presença do crime. Não significa, entretanto, que a droga não esteja sendo exportada para países da Europa e Ásia, segundo autoridades.

— Eles (os criminosos) estão evitando justamente esse tipo de ação e buscando situações ou modos alternativos de tentar enviar suas drogas para o exterior — ponderou o comandante Marcus André de Souza e Silva, capitão dos Portos de São Paulo. — Conforme a gente vai se adaptando às modalidades e coibindo, é natural que eles busquem outras condições. E nós também estamos prontos para nos adaptar e buscar reprimir também essas novas situações.

Ao longo de dois dias da última semana, o GLOBO acompanhou o trabalho da Marinha durante a GLO no Porto de Santos, a primeira da história com foco no mar. No terminal, militares destacados para a força-tarefa realizam ações de mergulho, inspeção de navios cargueiros e contêineres e patrulhamento a bordo de navios de guerra e lanchas blindadas. Dos cerca de 30 navios que entram no porto diariamente, a Marinha inspeciona dois, com a ajuda de cães farejadores e mergulhadores. A escolha das embarcações que serão examinadas se dá com base em informações de inteligência.

— Avaliamos a rota do navio, vemos se o destino é preferencial para o envio de drogas, verificamos o histórico dessa embarcação e se já foi usada pelo tráfico, fazemos a análise da tripulação — elencou o comandante Daniel Rubin, da Comunicação Estratégica da Força-Tarefa da GLO do Mar.

A região em que o Porto de Santos está inserido impõe desafios extras para a equipe. Pela localização privilegiada e geografia peculiar, a Baixada Santista se tornou um dos pontos mais importantes para os negócios internacionais do Primeiro Comando da Capital (PCC).

A proximidade das comunidades tomadas pelo crime com o terminal ajuda no escoamento das remessas de cocaína. Encravados em áreas de mangues e morros de difícil acesso, esses locais favorecem a fuga dos criminosos e a camuflagem de armas e drogas. Nos últimos meses, a região está conflagrada. Mais de 80 pessoas foram mortas pela PM de São Paulo nas nove cidades da Baixada Santista, durante as operações Escudo e Verão, realizadas após o assassinato de policiais.

O PCC iniciou sua investida no mercado internacional no final de 2016, segundo o Ministério Público de São Paulo, quando passou a exportar cocaína para a Europa. Naquele ano, inaugurou o setor que viria a se chamar “tomate”, em referência à primeira carga usada para enviar droga. Ainda na fase de teste, a organização criminosa mandava cerca de 300 quilos por mês para os países europeus. Atualmente, de acordo com o MP, exporta uma média de três a cinco toneladas por mês.

Efeitos da GLO

Desde que a GLO se instalou no Porto de Santos, o crime organizado reduziu a contaminação das cargas no canal do cais, uma espécie de corredor marítimo com 25 km de extensão, e passou a inserir a droga nos navios na chamada área de fundeio, com 315 milhões de km2, de acordo com a Autoridade Portuária de Santos (APS). É ali que as embarcações ficam atracadas esperando sua vez para entrar no porto ou a informação do local de destino.

Outra estratégia adotada pelas facções para burlar a fiscalização no terminal paulista é a migração para portos menores e menos monitorados, em outras regiões do Brasil, ou até mesmo em outros países, como Equador, segundo a Polícia Federal.

Além de diversificar rotas, o crime tem buscado também outras modalidades de contaminação das cargas. A ocultação da cocaína no interior de contêineres, em meio a cargas lícitas ou até mesmo na estrutura desses compartimentos, por exemplo, caiu em desuso nos últimos anos, à medida que a Receita Federal instalou escâneres e ampliou o número desses equipamentos no Porto de Santos.

A apreensão de um barco pesqueiro em março dá uma pista das novas táticas usadas pelo crime. Na madrugada do último dia 14, a Marinha Francesa apreendeu um barquinho de só 20 metros no Golfo da Guiné, na costa africana, com 10,6 toneladas de cocaína (bem mais do que toda droga apreendida no Porto de Santos no ano passado), superando o recorde anterior de 9,5 toneladas confiscadas. A embarcação partiu do Brasil, segundo o Centro de Análises e Operações Marítimas, o MAOC (N), um órgão europeu que desempenha um papel ativo na segurança marítima do Atlântico. A mercadoria foi avaliada em 695 milhões de euros.

Outra estratégia mais recente usada por criminosos é o embarque da droga nos navios do tipo “ro-ro”, abreviação de roll-on/roll-off (rolar para dentro/rolar para fora). Como o nome indica, podem receber cargas que nele ingressam por meios próprios, como carros e caminhões. Em setembro, a Polícia Federal prendeu o tripulante de um “ro-ro” por tráfico internacional de drogas em Santos, com 405 kg de cocaína. O homem escondia a mercadoria em veículos, incluindo caminhões de bombeiro. O navio tinha como destino a Argentina.

— O tráfico é muito dinâmico. Parou de ter apreensão no contêiner, mas pode ser que eles estejam mandando de alguma forma que o escâner não pega. A gente só descobre depois que faz a primeira apreensão — afirmou Daniel Coraça, chefe da Delegacia de Santos da Polícia Federal. — Assim como o “ro-ro”, que é mais recente. Embora já houvesse informação de inteligência há muito tempo, tivemos mais ocorrências só ultimamente.

Com validade até 3 de maio, a GLO dos portos e aeroportos, presente também nos terminais marítimos de Itaguaí e do Rio de Janeiro, é um decreto presidencial que dá poder de polícia aos militares e define um tempo e território específicos para a atuação. Sua efetividade é questionada por especialistas.

Alberto Kopittke, diretor executivo do Instituto Cidade Segura e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que convocação de uma GLO deveria ser feita para problemas temporários de segurança pública, não permanentes, como o tráfico de drogas em portos e aeroportos.

— Não houve nada de novo que justificasse a GLO. Por que não pegar esse dinheiro e contratar mais policiais federais, que é a força encarregada de portos? Precisamos é de um plano estrutural para os portos e aeroportos — opina Kopittke. — Considero que está no limite da constitucionalidade do uso desse instrumento. Sem contar o enorme gasto.

Questionado sobre os investimentos alocados na GLO dos portos e aeroportos, o Ministério da Justiça informou que só divulgará os dados ao término da operação.





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