Vila Isabel sob o domínio do medo: violência no bairro impacta a rotina nos ensaios de carnaval, nos bares e até na igreja
Posted by: redacao | Posted on: dezembro 22, 2024Quem mora em Vila Isabel, na Zona Norte, se acostumou a conviver com o batuque que vem da escola de samba do bairro e com o burburinho animado dos bares e botecos da região. Ultimamente, porém, um barulho assustador tem incomodado os ouvidos e tirado a paz: é o som de tiros disparados por traficantes de facções rivais que disputam território no Morro dos Macacos. Foram 79 tiroteios na região, entre janeiro e o dia 20 de dezembro deste ano, registrados pelo Instituto Fogo Cruzado. Na semana passada, uma nova tentativa de invasão à favela, seguida de troca de tiros que duraram quatro dias, causou o cancelamento de dois ensaios da Vila Isabel.
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A escola de samba emitiu comunicados e informou pelas redes sociais a suspensão dos ensaios, que estavam previstos para ocorrer nos dias 11 e 15, devido à escalada de violência na região. “Nossa agremiação lamenta profundamente a violência da qual a nossa comunidade tem sido constantemente vítima. Por mais uma noite consecutiva, os moradores do nosso bairro sofreram com esse problema recorrente da nossa cidade”, dizia um trecho da nota oficial da agremiação. Somente na quarta-feira, dia 17, a escola conseguiu realizar o último ensaio de rua de 2024 no Boulevard Vinte e Oito de Setembro, principal via do bairro.
Disputa desde 2009
A violência causou outras duas quebras de rotina. Uma delas ocorreu no último fim de semana: nos dias 13, 14 e 15 parte dos bares do chamado Quadrilátero da Vila, na esquina das ruas Torres Homem e Visconde de Abaeté, fechou mais cedo por conta dos tiroteios.
— Na sexta, no sábado e no domingo passados, antecipamos o nosso fechamento em três horas, já que geralmente fechamos por volta das 2h ou 3h da madrugada. As pessoas estavam com medo dos tiros, e o nosso movimento chegou a cair 50%. O negócio ficou feio. Dava para ouvir o barulho dos tiros até de dentro das casas — disse um comerciante, que pediu para não ser identificado.
Nem as igrejas estão a salvo. Por conta dos tiroteios, o cônego Valtemario Frazão, da Basílica Nossa Senhora de Lourdes, na Vinte e Oito de Setembro, confirmou ter antecipado o horário da Missa do Galo, celebrada dia 24 de dezembro.
— Os tiroteios não têm hora para acontecer aqui em Vila Isabel. Para as pessoas se sentirem mais seguras, a celebração da Missa do Galo será feita às 19h — disse.
Na última quinta-feira, houve mais um indício de que a guerra no Morro dos Macacos ainda está longe de acabar. Ao realizar uma operação na comunidade, PMs apreenderam quatro fuzis, cinco granadas, uma pistola, 30 carregadores, munição e fardas camufladas. Durante a ação, quatro homens foram detidos.
Eles são suspeitos de integrar a facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP), que disputa o controle da comunidade com o bando rival, o Comando Vermelho (CV). Os quatro presos teriam vindo de uma comunidade da Baixada Fluminense, também comandada pelo TCP, para reforçar a quadrilha no local e ajudar a evitar as invasões dos rivais.
O Morro dos Macacos, onde, segundo dados do Censo do IBGE de 2022, moram 2.779 pessoas em 955 residências, tem sido alvo de uma disputa entre as facções rivais, desde 2009, quando um helicóptero da PM chegou a ser abatido por traficantes, causando as mortes de três policiais. Na época, a aeronave foi atingida ao passar pela favela, mas acabou caindo perto do Morro São João, no Engenho Novo.
Em 2024, tentativas de invasão à comunidade por bandidos do CV, que usam o São João como base, se intensificaram. Foram pelo menos 11 ataques num período de apenas quatro meses. O primeiro deles aconteceu no dia 4 de abril, quando um homem foi baleado na localidade conhecida como Chelsea, no interior da comunidade. Ele não resistiu aos ferimentos.
O conflito também faz vítimas inocentes. Entre o fim da noite do dia 4 e a madrugada do dia 5 de agosto, bandidos em motocicletas, vindos do Morro São João, atacaram a tiros pessoas que estavam numa festa em uma das subidas do Morro dos Macacos. Na ocasião, um menino de 13 anos e um entregador de farmácia foram atingidos por balas perdidas e morreram. No dia 19 do mesmo mês, cinco pessoas foram baleadas e mortas na Praça Barão de Drummond, em Vila Isabel, quando bandidos do Morro da Mangueira dispararam contra um grupo que estava no local.
Onze mandados de prisão
Atualmente, o comércio de drogas e a exploração de negócios irregulares no Morro dos Macacos, como a venda de sinal clandestino de TV a cabo, são controlados, segundo a polícia, por Leandro Nunes Botelho. Conhecido como Scooby-Doo, o traficante, que integra o TCP, é um dos bandidos mais procurados do Rio. Em seu nome, há 11 mandados de prisão expedidos pela Justiça.
Já para o CV, o Morro dos Macacos é considerado estratégico por permitir acesso, por meio da Floresta da Tijuca, à Zona Oeste. Além disso, segundo as investigações, sua conquista também seria fundamental para a facção criar uma espécie de “cinturão do tráfico” no Rio, interligando o local a outras comunidades da Tijuca já controladas pelo mesmo bando.
Troca de lado
De acordo com a polícia, um dos suspeitos de chefiar a ofensiva contra o TCP no Morro dos Macacos é Pedro Paulo Lucas Adriano do Nascimento, o Titauro, de 25 anos. Ex-integrante do bando, ele trocou de lado no início deste ano, insatisfeito com os pagamentos que recebia. Junto a outros seis criminosos, teria roubado sete fuzis e munição, fugindo para o Morro São João.
Após serem acolhidos no CV, os dissidentes teriam recebido apoio para tentar tomar o Morro dos Macacos, acirrando ainda mais a antiga guerra.
Titauro é citado em sete processos criminais que tramitam no Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ). Ele é acusado de associação ao tráfico, tentativa de homicídio e homicídio. Em pelo menos dois dos casos, o réu foi absolvido das acusações. Mas, em dois outros, foi condenado. Umas das condenações ocorreu em 2018, quando uma pena de 16 anos chegou a ser estabelecida pela 2ª Vara Criminal. Segundo a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap), o criminoso saiu da cadeia no dia 6 de dezembro de 2021 após receber o benefício de visita periódica ao lar, e não retornou mais.
Em nota, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que “os confrontos durante as ações policiais representam a forma de atuação dos grupos criminosos, que insistem em enfrentar as forças de segurança que buscam resguardar os direitos básicos da população”. E acrescentou que “as unidades da corporação seguem planejamento prévio e protocolos técnicos para atuar em comunidades, tendo como preocupação central a preservação de vidas — da população local e de policiais militares envolvidos na ação”.
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