• Direto no Ponto

Rio desestimula uso de carro na maior via expressa do país e motoristas reclamam

Posted by: | Posted on: abril 8, 2024

A prefeitura do Rio de Janeiro fez mudanças no trânsito da principal via expressa da cidade, a avenida Brasil, a fim de desestimular o uso de veículos individuais. As alterações começaram no último sábado (30).

A avenida Brasil é considerada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a maior via expressa do país, com 58 km de extensão, e tem agora em sua pista central uma faixa segregada para ônibus, táxis e veículos de serviço, como ambulâncias e viaturas policiais. Uma outra faixa é exclusiva para a circulação do BRT Transbrasil, serviço inaugurado também esta semana. Motoristas de carro, inclusive os que fazem serviço por aplicativo, e motociclistas ficaram restritos a duas faixas.

A prefeitura chegou a anunciar a restrição de horário para circulação de caminhões na via, a fim de dar ainda mais fluidez ao trânsito, mas voltou atrás após pressão das empresas do setor de logística.

O funcionamento dos corredores exclusivos é tratado pela administração municipal e por especialistas como uma saída para uma cidade mais sustentável, desestimulando o uso do carro e acelerando o tempo de viagem dos usuários do transporte público.

“A população vai ver que, com a qualidade do BRT, vai valer a pena migrar, sair do carro e pegar o BRT com conforto e segurança, ônibus novos, e chegar cedo ao trabalho”, afirmou o prefeito Eduardo Paes (PSD) durante inauguração do modal, no dia 30 de março. Na primeira semana, o BRT circulou entre 10h e 15h. A operação será ampliada a partir da segunda semana.

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Neste sábado (6), o prefeito postou no X (antigo Twitter) um vídeo dizendo que a prefeitura está avaliando medidas para reduzir os impactos no trânsito. “Você tem uma diminuição de faixa, isso ampliou o engarrafamento, que era algo que acontecia muito na avenida Brasil. Estamos estudando medidas, a gente deve anunciar algumas alterações.”

Os primeiros dias úteis foram marcados por críticas de motoristas. Eles afirmam que o engarrafamento na cidade aumentou especialmente nos horários de pico e que o congestionamento na avenida Brasil refletiu em outras vias importantes da cidade.

Quem utiliza ônibus paradores —linhas que fazem paradas em pontos ao longo da via e que, portanto, não acessam a faixa exclusiva— também reclama. “Pegar ônibus parador depois das 5h na avenida Brasil está infernal”, escreveu uma seguidora no perfil oficial da Prefeitura.

Na manhã de segunda-feira (1°) houve um crescimento de 83% do engarrafamento às 6h, em comparação com as três semanas anteriores. Na quarta-feira (3), o engarrafamento na cidade chegou a 169 km, 186% acima da média. A prefeitura defende que o aumento de quarta foi causado por uma manifestação de caminhoneiros e não associa diretamente às mudanças na avenida Brasil.

“As faixas exclusivas poderiam incorporar o motorista de aplicativo. Mas eles não nos incluíram. Com três faixas já era ruim, imagina com duas. Na segunda-feira, levei de Rocha Miranda ao centro da cidade 2h45, um trajeto de 23 km, feito em cerca de 40 minutos em dias sem engarrafamento. Tive vontade de largar o carro no meio da pista”, afirma o motorista de aplicativo Sebastian de Jesus, 61, presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativo do Estado do Rio de Janeiro.

O corretor de seguros Tiago Azeredo, 34, morador de Irajá, na zona norte do Rio, também perdeu horas no congestionamento na última semana. Ele usa a via expressa para levar a filha na escola.

“Durante as obras, mesmo com três faixas era possível visualizar pontos de lentidão e engarrafamento. A população cresce a cada dia e as faixas não suportam a demanda”, diz.

O BRT Transbrasil, iniciado no segundo mandato de Paes (2012 a 2016), era previsto para ser entregue antes da Olimpíada do Rio, em 2016, mas a obra foi finalizada com sete anos de atraso. A entrega do corredor é considerada pela terceira gestão de Paes uma vitória, e a lentidão é atribuída, em grande parte, ao governo anterior do ex-prefeito Marcelo Crivella, à frente da prefeitura entre 2017 e 2020.

O modal tem previsão de transporte até 250 mil pessoas por dia. O BRT Transbrasil tem 26 km de extensão, 17 estações e atravessa 18 bairros, ligando Deodoro, na zona oeste, ao terminal intermodal Gentileza, recém-inaugurado no centro, ao lado da rodoviária do Rio. Uma das linhas de BRT liga o centro ao aeroporto do Galeão.

Clarisse Cunha Linke, diretora-executiva do ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), avalia positivamente as mudanças implementadas pela prefeitura a fim de desestimular o uso do carro.

“Esse redesenho da avenida Brasil é um caminho fundamental. Isso passa por redistribuir o espaço que há décadas vem sendo usado prioritariamente pelos automóveis particulares”, afirma Linke.

“O carro é uma ferramenta de trabalho para muita gente, mas é uma ferramenta de trabalho porque o transporte público é precarizado, ruim e caro. Se tivermos um sistema em que as pessoas têm confiança, não fiquem no congestionamento, a tendência é que elas migrem para o transporte público. Um sistema de qualidade diminui a quantidade de carro na rua.”


Planos de saúde: com reajuste à vista, portabilidade é opção para tentar fugir de aumento. Veja regras

Posted by: | Posted on: abril 7, 2024

Depois do aumento de 4,5% nos medicamentos de uso contínuo, o próximo reajuste que deve pesar no bolso dos consumidores é o dos planos de saúde. A definição – pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – do percentual máximo para aumento dos contratos individuais ou familiares ainda não tem data para acontecer, mas tradicionalmente os números são divulgados entre maio e junho. Com o impacto no orçamento à vista, a portabilidade pode ser um caminho para o usuário escapar do reajuste e manter ativo o contrato de saúde privada.

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No ano passado, o aumento autorizado pela ANS foi de até 9,63%, com aplicação válida entre maio de 2023 e abril de 2024, de acordo com o mês de aniversário do contrato. Segundo a agência reguladora, o índice máximo de reajuste dos contratos individuais ou familiares, para o período de maio próximo a abril de 2025, ainda será calculado.

No último dia 31, terminou o prazo para que as operadoras entregassem os dados das despesas assistenciais do ano passado, que fazem parte da metodologia de definição do percentual limite. Também entra na fórmula o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), descontado o subitem Plano de Saúde. Antes de ser divulgado, o percentual passa por análise da Diretoria Colegiada da ANS e por apreciação do Ministério da Fazenda.

A correção máxima impacta as mensalidades de 8.792.893 pessoas, o que representa 17,25% dos usuários de planos de saúde. Para 82,7% dos beneficiários, vinculados a contratos coletivos, não há limite estabelecido pelo órgão regulador. Apesar disso, o índice acaba sendo usado como parâmetro nas negociações entre clientes e operadoras dos contratos coletivos.

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) justifica que o reajuste anual tem como objetivo manter o equilíbrio entre o uso dos serviços pelos beneficiários com a qualidade e a modernização do sistema.

“Nos últimos três anos (2021, 2022 e 2023) o setor registrou um prejuízo operacional acumulado de R$ 20 bilhões de reais. No mesmo período, a soma dos reajustes dos planos de saúde individuais/familiares ficou abaixo da inflação oficial, com uma média de 5,1% ao ano, evidenciando um desafio financeiro extremamente significativo, onde mesmo com os reajustes, as mensalidades não foram suficientes para o pagamento das despesas”, afirma a entidade.

Portabilidade x redução de carências

Apesar de os gastos privados com saúde – o que inclui os planos – terem reduzido nos últimos anos, como apontou o IBGE na última sexta-feira, outras despesas têm pesado no orçamento das famílias, como é o caso de medicamentos e exames. Neste contexto, a busca por um plano de saúde mais barato alivia o bolso. Segundo a ANS, no ano passado, esse foi o principal motivo dos usuários (40%) na hora de optar pela portabilidade de operadora. A procura por melhor qualidade da rede (21%) e cancelamento de contrato (18%) aparecem em seguida.

Especialista em Direito à Saúde do escritório Vilhena Silva, o advogado Rafael Robba observa que, para optar pela portabilidade, o usuário precisa primeiro entender se preenche todos os requisitos. Além disso, ele recomenda redobrar a atenção principalmente em caso de doença preexistente ou tratamento de saúde em curso.

– Em muitos casos o corretor oferece uma ideia de redução de carência, completamente diferente da portabilidade, que é o único mecanismo que vai afastar totalmente as carências já cumpridas no plano anterior. E a operadora de destino não pode exigir preenchimento da declaração de saúde, porque o usuário já cumpriu a carência no plano de origem – explica: – Por isso é sempre importante se certificar do que prevê o contrato, e também guardar trocas de e-mails e mensagens, para evitar transtornos.

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Requisitos

As regras da ANS determinam que para fazer a portabilidade é preciso ter um plano de saúde contratado a partir de 1º de janeiro de 1999 ou adaptado à Lei dos Planos de Saúde. Além disso, é preciso estar com o contrato ativo e em dia com os pagamentos. Os requisitos também exigir que o usuário tenha cumprido um período mínimo de permanência no plano de dois anos. Se já tiver pedido portabilidade antes ou tiver doença preexistente, o período aumenta para três anos.

Compatibilidade

Depois de conferir se os requisitos estão sendo preenchidos, o usuário deve consultar o Guia ANS de Planos de Saúde (ans.gov.br/gpw-beneficiario/) para verificar quais são os planos compatíveis com o seu contrato atual. Só é permitido mudar para um plano que seja da mesma faixa de preço do atual.

Como fazer a portabilidade?

Basta procurar a operadora para onde deseja migrar com a documentação necessária: comprovante de pagamento das três últimas mensalidades ou declaração da operadora de origem; comprovante de prazo de permanência (seja uma declaração do plano ou o contrato de adesão assinado); e relatório de compatibilidade ou nº de protocolo, ambos emitidos pelo Guia ANS.

Preciso cumprir carência de novo?

Não. As carências cumpridas passam para o novo plano. Caso o novo seguro exija carências que o beneficiário não tenha cumprido, é possível acatar apenas elas.

Quais são os prazos?

A operadora do novo plano tem até 10 dias para analisar o pedido de portabilidade. Caso não responda ao pedido após esse prazo, a portabilidade será considerada válida.

Operadora está dificultando. O que fazer?

As operadoras não podem selecionar clientes por fator de risco, como idade ou doença preexistente. Além disso, todas as empresas listadas no Guia ANS devem aceitar os novos clientes, ainda que em um tipo de plano diferente, como do individual para o coletivo.

Segundo Robba, em geral, as operadoras de origem não costumam dificultar o processo. Cabe a elas apenas a emissão de carta de permanência, espécie de declaração curta dizendo que o tipo de plano do beneficiário, desde qual data, o valor da mensalidade, e se o usuário está adimplente, para provar que ele preenche os requisitos.

– Possíveis dificuldades podem acontecer com as operadoras de destino, que eventualmente criam dificuldades ou recusam a portabilidade – diz.

Nesses casos, ele orienta que o beneficiário pode buscar a ANS, que notifica a operadora para aceitar a portabilidade ou explicar os motivos da recusa. Se ainda assim o problema não for resolvido, procurar a Justiça pode ser uma opção.

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A um mês do fim, GLO do Mar tem resultados modestos na apreensão de droga no maior porto da América Latina

Posted by: | Posted on: abril 6, 2024

Já estava perto de escurecer quando o sargento Alcides Barreto, que auxiliava dois mergulhadores da Marinha no cais do Porto de Santos, sentiu três toques na corda esticada em sua mão. O sinal é uma comunicação entre quem dá suporte ao mergulho, do lado de fora do mar, e aqueles que, debaixo d’água, procuram no casco do navio a droga escondida por facções criminosas. Significa que quem desceu até o fundo está retornando para a superfície. Na tarde da terça-feira (2), a equipe teve êxito. Ocultos num compartimento submerso da embarcação, oito pacotes em sacos pretos somavam 212 quilos de cocaína. Se não desvendada, a mercadoria ilícita seguiria até a Alemanha.

— A droga estava amarrada em tubulações e estruturas da caixa de mar (abertura no casco do navio para controlar a entrada e a saída de água em sistemas de resfriamento do motor) — explicou Barreto, o primeiro mergulhador da Marinha a chegar a Santos para combater o tráfico internacional, há seis anos.

A apreensão da última semana interrompeu um marasmo de meses. Desde que o governo convocou a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) nos portos e aeroportos, em novembro, foi a primeira vez que mergulhadores destacados para reforçar a equipe de Barreto no Porto de Santos, o maior da América Latina, encontraram drogas no casco de navios. Nesses cinco meses, os cerca de 319 militares que chegaram ao litoral paulista para integrar a força-tarefa, quase dobrando o efetivo no terminal, apreenderam 299 quilos de droga em quatro episódios. Em comparação, no último ano, foram confiscadas 8,1 toneladas. A queda expressiva na apreensão, inclusive nos cascos das embarcações, modalidade até então bastante usada, ocorreu à medida que a fiscalização foi ampliada e inibiu a presença do crime. Não significa, entretanto, que a droga não esteja sendo exportada para países da Europa e Ásia, segundo autoridades.

— Eles (os criminosos) estão evitando justamente esse tipo de ação e buscando situações ou modos alternativos de tentar enviar suas drogas para o exterior — ponderou o comandante Marcus André de Souza e Silva, capitão dos Portos de São Paulo. — Conforme a gente vai se adaptando às modalidades e coibindo, é natural que eles busquem outras condições. E nós também estamos prontos para nos adaptar e buscar reprimir também essas novas situações.

Ao longo de dois dias da última semana, o GLOBO acompanhou o trabalho da Marinha durante a GLO no Porto de Santos, a primeira da história com foco no mar. No terminal, militares destacados para a força-tarefa realizam ações de mergulho, inspeção de navios cargueiros e contêineres e patrulhamento a bordo de navios de guerra e lanchas blindadas. Dos cerca de 30 navios que entram no porto diariamente, a Marinha inspeciona dois, com a ajuda de cães farejadores e mergulhadores. A escolha das embarcações que serão examinadas se dá com base em informações de inteligência.

— Avaliamos a rota do navio, vemos se o destino é preferencial para o envio de drogas, verificamos o histórico dessa embarcação e se já foi usada pelo tráfico, fazemos a análise da tripulação — elencou o comandante Daniel Rubin, da Comunicação Estratégica da Força-Tarefa da GLO do Mar.

A região em que o Porto de Santos está inserido impõe desafios extras para a equipe. Pela localização privilegiada e geografia peculiar, a Baixada Santista se tornou um dos pontos mais importantes para os negócios internacionais do Primeiro Comando da Capital (PCC).

A proximidade das comunidades tomadas pelo crime com o terminal ajuda no escoamento das remessas de cocaína. Encravados em áreas de mangues e morros de difícil acesso, esses locais favorecem a fuga dos criminosos e a camuflagem de armas e drogas. Nos últimos meses, a região está conflagrada. Mais de 80 pessoas foram mortas pela PM de São Paulo nas nove cidades da Baixada Santista, durante as operações Escudo e Verão, realizadas após o assassinato de policiais.

O PCC iniciou sua investida no mercado internacional no final de 2016, segundo o Ministério Público de São Paulo, quando passou a exportar cocaína para a Europa. Naquele ano, inaugurou o setor que viria a se chamar “tomate”, em referência à primeira carga usada para enviar droga. Ainda na fase de teste, a organização criminosa mandava cerca de 300 quilos por mês para os países europeus. Atualmente, de acordo com o MP, exporta uma média de três a cinco toneladas por mês.

Efeitos da GLO

Desde que a GLO se instalou no Porto de Santos, o crime organizado reduziu a contaminação das cargas no canal do cais, uma espécie de corredor marítimo com 25 km de extensão, e passou a inserir a droga nos navios na chamada área de fundeio, com 315 milhões de km2, de acordo com a Autoridade Portuária de Santos (APS). É ali que as embarcações ficam atracadas esperando sua vez para entrar no porto ou a informação do local de destino.

Outra estratégia adotada pelas facções para burlar a fiscalização no terminal paulista é a migração para portos menores e menos monitorados, em outras regiões do Brasil, ou até mesmo em outros países, como Equador, segundo a Polícia Federal.

Além de diversificar rotas, o crime tem buscado também outras modalidades de contaminação das cargas. A ocultação da cocaína no interior de contêineres, em meio a cargas lícitas ou até mesmo na estrutura desses compartimentos, por exemplo, caiu em desuso nos últimos anos, à medida que a Receita Federal instalou escâneres e ampliou o número desses equipamentos no Porto de Santos.

A apreensão de um barco pesqueiro em março dá uma pista das novas táticas usadas pelo crime. Na madrugada do último dia 14, a Marinha Francesa apreendeu um barquinho de só 20 metros no Golfo da Guiné, na costa africana, com 10,6 toneladas de cocaína (bem mais do que toda droga apreendida no Porto de Santos no ano passado), superando o recorde anterior de 9,5 toneladas confiscadas. A embarcação partiu do Brasil, segundo o Centro de Análises e Operações Marítimas, o MAOC (N), um órgão europeu que desempenha um papel ativo na segurança marítima do Atlântico. A mercadoria foi avaliada em 695 milhões de euros.

Outra estratégia mais recente usada por criminosos é o embarque da droga nos navios do tipo “ro-ro”, abreviação de roll-on/roll-off (rolar para dentro/rolar para fora). Como o nome indica, podem receber cargas que nele ingressam por meios próprios, como carros e caminhões. Em setembro, a Polícia Federal prendeu o tripulante de um “ro-ro” por tráfico internacional de drogas em Santos, com 405 kg de cocaína. O homem escondia a mercadoria em veículos, incluindo caminhões de bombeiro. O navio tinha como destino a Argentina.

— O tráfico é muito dinâmico. Parou de ter apreensão no contêiner, mas pode ser que eles estejam mandando de alguma forma que o escâner não pega. A gente só descobre depois que faz a primeira apreensão — afirmou Daniel Coraça, chefe da Delegacia de Santos da Polícia Federal. — Assim como o “ro-ro”, que é mais recente. Embora já houvesse informação de inteligência há muito tempo, tivemos mais ocorrências só ultimamente.

Com validade até 3 de maio, a GLO dos portos e aeroportos, presente também nos terminais marítimos de Itaguaí e do Rio de Janeiro, é um decreto presidencial que dá poder de polícia aos militares e define um tempo e território específicos para a atuação. Sua efetividade é questionada por especialistas.

Alberto Kopittke, diretor executivo do Instituto Cidade Segura e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que convocação de uma GLO deveria ser feita para problemas temporários de segurança pública, não permanentes, como o tráfico de drogas em portos e aeroportos.

— Não houve nada de novo que justificasse a GLO. Por que não pegar esse dinheiro e contratar mais policiais federais, que é a força encarregada de portos? Precisamos é de um plano estrutural para os portos e aeroportos — opina Kopittke. — Considero que está no limite da constitucionalidade do uso desse instrumento. Sem contar o enorme gasto.

Questionado sobre os investimentos alocados na GLO dos portos e aeroportos, o Ministério da Justiça informou que só divulgará os dados ao término da operação.


Prates não deverá ter Haddad como aliado para ficar na Petrobras

Posted by: | Posted on: abril 5, 2024

O conflito em torno da Petrobras, que permeia os bastidores do governo desde o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, se ampliou e aumentou a pressão sobre o presidente da estatal, Jean Paul Prates, que está sob a ameaça de deixar o cargo. E o CEO não deve contar com o apoio do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele não pretende empenhar seu capital político para segurar o presidente da Petrobras. Ele já indicou a pessoas próximas que não é seu papel se colocar como fiador da permanência de Prates, ex-senador pelo PT.

A tensão no comando da estatal cresceu nos últimos dias, com a disputa cada vez mais aberta entre Prates e o ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira — que conta com apoio do titular da Casa Civil, Rui Costa. Prates passa por uma fritura pública e quer que o presidente Lula arbitre o tiroteio por sua vaga. Os dois devem se reunir na segunda-feira, segundo o colunista do GLOBO Lauro Jardim.

Pagamento de dividendos

Auxiliares de Lula já sondaram o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, afirmam integrantes do governo. O presidente do banco de fomento procurou Prates para avisá-lo que não estava por trás de nenhuma operação para tirá-lo do cargo, segundo auxiliares do petista, mas admitiu a sondagem. O desenho cogitado no Palácio do Planalto inclui transferir Nelson Barbosa, atual diretor de Planejamento do BNDES, para a presidência do banco. Barbosa foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff.

A divergência escalou depois de Silveira admitir, ao jornal Folha de S.Paulo, conflito com o CEO — fala vista como uma declaração de guerra por auxiliares de Prates. Uma das divergências recentes foi na destinação de dividendos aos acionistas, um imbróglio que começou na divulgação dos resultados da companhia em março. Prates defendia distribuir 50% dos recursos extraordinários, mas Silveira e o conselho discordaram diante de discussões sobre o fôlego da estatal para levar investimentos adiante.

Ajuda para zerar déficit

Em reunião na quarta-feira no Palácio do Planalto, porém, Costa, Silveira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se alinharam e se mostraram favoráveis à distribuição dos recursos aos acionistas. A notícia foi antecipada pela colunista do GLOBO Malu Gaspar, o que fez as ações da Petrobras subirem após a queda causada pela possibilidade de nomeação de Mercadante. A sequência de notícias sobre a estatal levou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a abrir processo para investigar as divulgações (leia mais na página 16).

Além de agradar a investidores, o pagamento de dividendos extraordinários ajudaria Haddad na meta de zerar o déficit neste ano. Se os R$ 43,9 bilhões forem pagos, a totalidade do que está reservado, o governo, como principal acionista, receberia R$ 12 bilhões. Caso a decisão seja de distribuir a metade, o governo ficaria com R$ 6 bilhões. O assunto será levado a Lula.

Dentro do governo, a leitura é que Prates saiu exposto e desgastado nas discussões sobre os dividendos extras, anunciada no início de março. Conselheiro da estatal, Prates se absteve da discussão, embora a decisão de não pagar os lucros extras tenha sido tomada por Lula.

Outro ponto destacado no governo é que Prates imprime na estatal estilo que não agrada a Lula. Até aliados dele relatam que o CEO chega para reuniões com posições muito fechadas e costuma dar pouco espaço para mudar suas convicções. Lula costuma opinar sobre as decisões a serem tomadas e gosta quando seus subordinados reavaliam as posições, após discussões internas.

Prates faz piada nas redes

Prates tem afirmado a interlocutores, nos bastidores, que está cansado dessa disputa e que sua agenda tem sido tomada para responder a Silveira. A expectativa de Prates é que Lula decida o que fazer, embora ele negue a pessoas próximas que pretenda deixar o cargo. Ontem, ele ironizou: publicou uma imagem do que seria uma conversa em que parece responder a uma pergunta sobre sairia da empresa (veja ao lado).

Enquanto isso, auxiliares de Lula buscam nomes para a estatal, caso haja a substituição de Prates. Além de Mercadante, outro nome citado é de ClariceCoppetti, diretora de Assuntos Corporativos da estatal, vista como uma solução caseira. Também aparecem como cotados Magda Chambriard, ex-diretora da Agência Nacional de Petróleo (ANP), e Bruno Moretti, assessor da Casa Civil.

Integrantes do governo argumentam que Prates poderia ter tentado costurar um caminho de convergência, mas acabou esticando a corda demais em alguns momentos. Além de não distensionar a relação, o presidente da Petrobras teria falhado em construir pontes para balancear a artilharia da dupla Silveira e Rui Costa. Nesse sentido, a aliança com Haddad foi pontual, dizem pessoas próximas.

As divergências entre Prates e Silveira, que vem dos quadros do PSD, começaram com poucos meses de governo. Os dois protagonizaram embates públicos sobre decisões que deveriam ser tomadas pela Petrobras, como o destino do gás produzido pela estatal e o plano de investimentos.

Mais recentemente, o conflito escalou diante das negociações para os nomes do Conselho de Administração da Petrobras. O acordo, segundo pessoas próximas aos dois, previa que Prates teria a liberdade para escolher a diretoria da estatal, enquanto Silveira teria a prerrogativa de indicar os nomes para o conselho.

Aliados de Silveira passaram a acusar Prates de tentar interferir na escolha. Ao mesmo tempo, o presidente da Petrobras reclamava que os nomes apontados ao colegiado estavam dificultando seu trabalho.


Violência contras advogadas revela proteção ineficiente da OAB

Posted by: | Posted on: abril 4, 2024

Simbolicamente, durante o mês de março, diversos casos graves de violência de gênero foram experienciados por mulheres advogadas. Casos gravíssimos que mereceriam uma resposta institucional forte e assertiva. O tema foi objeto de discussão na última sessão do Conselho Federal, e um grupo de trabalho foi destacado para criar um protocolo de ações de enfrentamento à violência contra as advogadas. Contudo, o instrumento pode restar como algo simbólico, caso não haja na estrutura um órgão responsável por tutelar a aplicação do referido protocolo.

Diante disso, propomos a criação de uma Procuradoria de Proteção à Mulher Advogada, a ser composta pela presidente da Comissão da Mulher Advogada, pelo(a) presidente do Conselho Federal, por membros da Ouvidoria, Comissão de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, Comissão de Direitos Humanos e Comissão de Promoção da Igualdade. O órgão, sendo composto por pessoas que ocupem espaços de liderança, contará com a força institucional necessária e o empenho, individual e coletivo, daqueles que serão responsáveis por receber e dar o devido encaminhamento às denúncias.

Os exemplos de violências demonstram que a inércia e a falta de acolhimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) podem gerar danos irreparáveis à vítima. Um dos mais tristes foi a situação gravíssima pela qual a Dra. Bruna Hollanda passou, ao ver-se obrigada a narrar publicamente a violência sexual sofrida, visto que não recebeu o acolhimento institucional necessário, nenhum suporte ou a adoção de medidas cabíveis. A vítima acabou renunciando ao cargo de conselheira da OAB/SE e foi revitimizada ao publicizar o trauma por que passou.

Outro fato inaceitável ocorreu com a Dra. Marília Gabriela Gil Brambilla que durante o plenário de um tribunal do júri foi chamada de feia pelo promotor de Justiça Douglas Chegury. O fato ensejou a interrupção do júri e, posteriormente, várias manifestações de apoio à colega.

Em Roraima, a vice-presidente da OAB, Dra. Caroline Cattaneo, sofreu violência institucional quando o então presidente, Dr. Ednaldo Gomes Vidal, negando dispositivos legais e o pleito eleitoral, nomeou outra advogada para representá-lo, inobservando a ordem natural de ocupação do espaço.

Esses fatos também se conectam com o lamentável episódio ocorrido na Conferência Nacional da Mulher Advogada, evento voltado às advogadas, mas que, contudo, uma parcela muito expressiva delas foi desrespeitada e desprestigiada por uma das palestrantes. Escolher alguém que se posiciona de forma abertamente machista, ignorando que o machismo é o elo que sustenta a violência de gênero, foi erro crasso da organização.

Em razão de tantos episódios lamentáveis, é urgente construir um espaço de atuação institucional em prol das advogadas vítimas de violência. A criação de uma ouvidoria eficiente e bem estruturada de apoio à advogada terá o escopo de solidificar os espaços de pertencimento e dignidade da mulher. Um órgão forte que ofereça o suporte necessário às vítimas e uma resposta institucional firme, isso sim estará à altura do peso da Ordem dos Advogados do Brasil, que não pode mais continuar restringindo-se às simbólicas notas de apoio e repúdio em relação a temas que requerem ações concretas.

Teremos um processo administrativo padronizado?

No início da década de 2010, quando crescia a campanha para digitalizar o processo judicial, uma grande pergunta pairava: o que fazer com os milhões de processos judiciais em curso?

Alguns tribunais decidiram cruzar de vez a fronteira e digitalizar todos os papéis, mas logo se depararam com um problema grave: digitalizar cada folha de cada processo custaria caro.

Os tribunais em sua maioria optaram por ter novos processos eletrônicos e digitalizar o arquivo físico aos poucos. Logo depois, os tribunais começaram outra disputa. Cada tribunal tinha adotado a sua solução tecnológica e tinha construído seu sistema de forma independente.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez esforços para unificar todos os tribunais no mesmo sistema (conhecido como PJe).

Há mais de uma década tribunais permanecem resistindo a essas iniciativas de unificação, sem solução clara para o futuro. Padronizar processo judicial era simples perto do processo administrativo.

Um processo judicial é mais ou menos parecido com o outro. Ele começa com um pedido do autor e termina com uma sentença. Pode ter recursos no meio, mas sempre acaba com um acórdão do tribunal. Os usuários são sempre os mesmos (juiz, partes e Ministério Público; às vezes, peritos e terceiros) e o Código de Processo Civil é uma lei federal, que exige as mesmas regras, prazos e condições no Brasil inteiro, com algumas regras menos relevantes definidas pelos estados.

Durante a pandemia de covid-19, as administrações públicas começaram a aderir ao processo eletrônico.

O Sistema Eletrônico de Informações (SEI) ganhou espaço e aumentou a transparência com o acesso público on-line a documentos. O SEI substituiu o papel, mas não simplificou a gestão dos processos.

Processos administrativos são variados. Podem ser multas da CVM contra uma empresa que não divulgou informações ao mercado corretamente, proposta de Portaria do Ministério do Meio Ambiente que precisa passar por várias discussões e por consulta pública. Pode ser uma licitação de uma concessão, com diversos órgãos alterando os documentos, pareceres de várias áreas técnicas até o leilão e a assinatura do contrato, ou pode ser também um reconhecimento de direitos de moradia para pessoas vulneráveis. Cada processo administrativo deste tem um fim e passa por diversas fases.

Seria importante ter dados de todos os processos do mesmo tipo, mas costumamos ver processos mal qualificados no SEI. Começam em ofícios avulsos (por exemplo recebido do Ministério Público) e terminam nas respostas aos ofícios, sem considerar o grande processo por trás (uma licitação, uma nova portaria, por exemplo).

Alguns processos relevantes ficam às vezes escondidos em tipos como recebimento de ofício. Não existe um só processo administrativo, ele pode ter muitos objetivos; não existe um marco inicial e um marco final para o processo administrativo e pior, não existe uma lei única federal do processo administrativo, cada estado e município pode ter a sua, com regras, prazos e condições diferentes.

Por isso, nos surpreende o Poder Executivo iniciar um programa para promover a adoção do Processo Eletrônico nas administrações estaduais e municipais (Decreto 11.946/24).

O programa parece funcionar por adesão e por soluções customizadas.

Ter uma tecnologia de processo administrativo adotada em todos os estados e municípios seria louvável. Nós, cidadãos, iríamos finalmente saber os reais números da administração pública.

Mas talvez o país tenha criado barreiras constitucionais e legais para essa padronização que vão inviabilizar o programa.

Torcemos daqui que este processo de padronizar processos administrativos tenha início, meio e fim e que seja bem-sucedido.


Censo 2022: complexos do Alemão e da Maré perderam moradores, enquanto Rocinha e Vidigal cresceram

Posted by: | Posted on: abril 3, 2024

Dados preliminares do Censo de 2022 copilados pelo Instituto de Urbanismo Pereira Passos (IPP), da Prefeitura do Rio, divulgados na última segunda-feira revelam que as comunidades da Rocinha e do Vidigal, na Zona Sul da cidade, registraram um aumento no número de moradores em comparação com a contagem anterior, feita pelo IBGE em 2010. No período, a Rocinha ganhou 1.538 novos moradores. Com isso, a população da comunidade passou de 69.356 para 70.894. Já no Vidigal, o Censo contou 15.112 moradores — ou seja 2.315 pessoas a mais do que na última edição.

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Infográfico — Foto: Editoria de Arte

Algumas comunidades, porém, também registraram redução populacional. Esses foram os casos do Complexo do Alemão, na Zona Norte, que perdeu 21,6% de sua população em comparação com a contagem de 2010. Foram identificados 14.941 moradores a menos. Hoje, o Alemão tem 54.202 moradores contra 69.143 há pouco mais de dez anos. Na Maré, também na Zona Norte, o total de habitantes sofreu uma redução de 129.770 para 124.832 moradores, ou seja, 4938 pessoas a menos.

O fenômeno também foi identificado na Cidade de Deus, na Zona Oeste, que perdeu 5.939 no período, passando de 36.515 habitantes para 30.576 em 2022.

As informações disponíveis até o momento no IPP não identificam outras comunidades de forma individual porque não são reconhecidas como bairros da cidade, ao contrário de Rocinha, Vidigal, Alemão e Maré, critério adotado pela instituição para divulgar as estatísticas. Nos dados ainda não disponibilizados pela prefeitura estão comunidades de grande porte como Rio das Pedras, na Zona Oeste, por exemplo, estão inseridas em dois bairros distintos: Itanhangá e Jacarepaguá, na mesma região. Pela extensão, há ainda favelas que os limites do que é bairro e o que seria a comunidade são difíceis de distinguir. Isso acontece, por exemplo em duas delas na Zona Norte: Jacarezinho (35.348 moradores, 2.491 a menos do que em 2010) e Manguinhos (28.855 moradores, 7.305 a menos do que na contagem passada).

Por nota, o IPP informou que ainda não se aprofundou na análise dos dados sobre os bairros porque aguarda a liberação de mais informações dos setores censitários.

As informações consolidadas pelo IPP mostram ainda que a Zona Norte sofreu um esvaziamento desde do censo anterior de 2010, enquanto a população da Zona Oeste aumentou de forma expressiva, em áreas que nem sempre têm a infraestrutura adequada. Santa Cruz, por exemplo, ganhou 31.797 habitantes adicionais. Em menor proporção, Centro e zona Sul também perderam moradores no período.

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Cosméticos: quais substâncias nossa pele consegue ou não absorver

Posted by: | Posted on: abril 1, 2024

Em março de 2021, a influenciadora americana Mikayla Nogueira testou para seus milhões de seguidores no TikTok uma combinação de soro e toner contendo um coquetel de ingredientes da moda. O produto prometia fechar os poros, hidratar a pele e “revelar um brilho refrescante” instantaneamente.

O vídeo tem um minuto de duração. Nogueira aplica os produtos ao seu rosto sem maquiagem e anuncia em seguida: “Esta foi a melhor aplicação de base que já tive na minha vida!” A postagem rapidamente viralizou.

Este exemplo ilustra um movimento que vem ganhando força nos últimos tempos na indústria dos cosméticos: a beleza gerada pelos ingredientes. Os consumidores procuram ingredientes específicos para combater seus problemas de pele.

O toner testado por Nogueira, por exemplo, contém os esfoliantes químicos póli-hidroxiácidos e beta-hidroxiácidos, enquanto o soro inclui vitamina B3 ou niacinamida, que supostamente dá brilho à pele opaca.

É preciso ressaltar que muitos estudos científicos sobre os benefícios desses ingredientes envolvem pesquisadores que são funcionários das companhias de beleza e buscam vender os seus produtos.

Existe uma série de outros ingredientes frequentemente encontrados em produtos para a pele, com diversos benefícios declarados.

A vitamina A e o retinol são indicados para o combate ao envelhecimento; a vitamina C, para dar brilho e proteger a pele contra lesões ambientais; o ácido hialurônico hidrata e reduz as linhas e rugas; a vitamina E cura e suaviza – e a lista não termina por aqui.

As buscas por ingredientes específicos na loja de luxo online britânica Net-a-Porter aumentaram em cerca de 700% entre 2020 e 2022. E a pergunta “o que faz o soro de retinol?” foi uma das questões de cuidados com a pele mais pesquisadas no Google em 2023, no Reino Unido.

Nos Estados Unidos, uma pesquisa de 2022 revelou que 61% e 48% dos compradores de produtos de beleza millennials e da geração X, respectivamente, procuram ingredientes específicos ao comprar produtos de tratamento da pele.

Mas será que a pele consegue absorver esses ingredientes e extrair seus supostos benefícios? Ou tudo isso é um golpe de marketing para deixar nossos bolsos vazios?

E será que essas substâncias realmente precisam ser absorvidas para funcionar?

Os cientistas estão adquirindo cada vez mais conhecimento sobre o que pode e o que não pode atravessar a barreira da pele, com implicações que não se limitam ao setor cosmético. Está surgindo uma nova percepção das melhores formas de administrar medicamentos, desde analgésicos até vitaminas.

A pele é o maior órgão do corpo humano. Ela tem até dois metros quadrados de superfície e chega a pesar 3,6 kg em pessoas adultas.

A pele compreende três camadas distintas, mas as companhias de cosméticos estão principalmente interessadas nas duas camadas superiores.

Uma delas é a camada mais externa, ou epiderme, que é a pele que podemos ver e tocar.

“Ela é composta de células chamadas corneócitos, que agem como tijolos”, explica o cientista de cosméticos Ron Robinson, fundador da marca de produtos para a pele BeautyStat. “Esses tijolos são firmemente unidos por gorduras que agem como argamassa – ceramidas, colesterol e ácidos graxos.”

A camada intermediária da pele, a derme, compõe 90% da espessura da pele. “É nela que as coisas divertidas acontecem”, segundo a consultora em dermatologia Mary Sommerlad, de Londres.

A derme consiste de tecido conectivo, vasos sanguíneos, folículos capilares e glândulas produtoras de óleo, além de colágeno e elastina.

“Estas são proteínas mágicas de que precisamos para manter nossa pele macia e evitar linhas e rugas”, explica ela, “e fazem a nossa pele parecer carnuda – é como o santo graal contra o envelhecimento.”

Na verdade, “a maioria das biomoléculas nunca penetra na barreira da pele”, afirma Greg Altman, fundador da empresa Evolved by Nature, de Massachusetts (EUA), produtora de sabão sustentável e sprays para a pele.

Isso ocorre porque a pele é a primeira linha de defesa do nosso corpo contra o mundo exterior.

“A pele é projetada para manter as coisas do lado de fora e faz isso muito bem”, explica a dermatologista clínica e de pesquisa Zoe Draelos, da Universidade Duke, na Carolina do Norte (Estados Unidos). Ela trabalha neste campo há mais de 35 anos.

“Ela regula sua temperatura e o equilíbrio de água, protege você contra doenças e mantém o equilíbrio do microbioma de organismos saudáveis”, prossegue ela. “A pele faz tantas coisas fundamentais para a vida que precisa ser uma barreira. É uma estrutura que não pode ser penetrada facilmente.”

Substâncias como óleos, silicones e ceras encontradas em muitos umectantes são grandes demais para deslizar através da epiderme. Por isso, elas permanecem no topo da pele, agindo como emolientes (agentes umectantes) e vedando a água no seu interior, o que faz a pele parecer suave e macia, segundo Robinson.

Para que uma molécula atravesse a barreira da pele, viaje através da epiderme e entre na derme, ela precisa ter propriedades similares à superfície da pele.

Ela deve ser lipofílica (adorar gordura), seu pH deve ser levemente ácido (4,6 a 5,5) e seu peso molecular deve ser de menos de 500 Daltons. Mas existem formas de contornar essas limitações.

Às vezes, as companhias de cosméticos decompõem uma molécula grande em nanopartículas ou encerram um composto aquoso em uma camada de óleo ou gordura.

Também é possível usar microagulhas para perfurar a superfície da pele ou substâncias químicas, como ácido glicólico, para aumentar a penetração.

É preciso novamente ressaltar que muitos estudos científicos sobre os benefícios de certos ingredientes envolvem pesquisadores que são funcionários das companhias de beleza e buscam vender os seus produtos.

‘Entre a ciência e o marketing’

“Se você quiser penetrar [na pele] um pouco mais, você pode alterar a formulação do seu produto”, segundo Draelos. Mas isso traz alguns riscos.

“Quando algo atinge a derme, será absorvido pela circulação sistêmica”, explica ela. “E os produtos cosméticos não são projetados para isso.”

Ainda assim, isso acontece com alguns ingredientes. Já se descobriu, por exemplo, que o retinol atravessa os melanócitos – a camada inferior de células da epiderme que são responsáveis pela proteção da pele contra a perigosa radiação ultravioleta.

A substância inibe o seu crescimento e torna os usuários mais susceptíveis aos danos causados pelo sol.

Os parabenos, usados como conservantes e para evitar contaminações, são outro exemplo. Alguns estudos indicam que eles podem afetar a produção de hormônios.

Mas Sommerlad afirma que “[ainda] não se decidiu” se este é o caso, e os dermatologistas geralmente consideram que o uso desses ingredientes é seguro, embora as mulheres grávidas possam querer evitá-los por precaução.

A questão é que “o tratamento da pele fica a meio caminho entre a ciência e o marketing”, segundo Altman. Aliado a isso, a indústria da beleza, em grande parte, é autorreguladora.

Existem ainda muitos cientistas que não sabem quais ingredientes podem ser absorvidos pela pele, qual profundidade eles atingem e seus possíveis riscos, segundo ele.

“É bem conhecido que diversas formulações de tratamento dérmico podem apresentar impactos positivos sobre a saúde da pele, mas os mecanismos precisos que levam a esses efeitos nem sempre estão totalmente esclarecidos”, afirma o professor de físico-química Sebastian Björklund, da Universidade de Malmö, na Suécia.

Por este motivo, Björklund lidera um estudo para investigar o tema, concentrado especialmente nas vitaminas. Os primeiros resultados são esperados ainda este ano.

Projetar ingredientes que possam ser absorvidos pela derme e abaixo dela, ao contrário da penetração mais superficial da epiderme, “realmente é muito complicado”, explica Sommerlad. “Não são muitas as drogas que conseguem cruzar facilmente a via transepidérmica porque a química por trás dela é bastante difícil.”

Este é um motivo por que os emplastros transdérmicos de vitaminas praticamente não decolaram.

Emplastros adesivos colados à pele são empregados há décadas para fornecer nicotina, o analgésico fentanil e hormônios anticoncepcionais. Eles oferecem uma forma conveniente de administrar a medicação em dose constante.

Inspirado por este sucesso, o programa de engenharia e pesquisa de alimentação em combate das Forças Armadas dos Estados Unidos começou a estudar, em 2003, se emplastros similares poderiam ser usados para administrar vitaminas e micronutrientes aos soldados em combate.

Mas, duas décadas depois, as evidências científicas do uso desses emplastros ainda é limitada. Não há resultados conhecidos do estudo militar americano, nem foram realizados testes clínicos em larga escala.

Um pequeno estudo publicado em 2019 concluiu que pacientes com bypass gástrico que usaram um emplastro multivitamínico por um ano após a cirurgia apresentaram o dobro de probabilidade de ter deficiência de vitamina D.

Além disso, eles tinham índices de vitamina B2, B12, folato e ferritina no soro mais baixos do que pessoas que tomaram multivitamínico por via oral.

“As vitaminas são absorvidas com muito mais eficiência internamente”, afirma Draelos. “A administração tópica [através da pele] não serve de substituto.”

Além disso, manter alimentação saudável e equilibrada, com suficiente ingestão de água, é essencial para manter a pele saudável, orienta ela.

“Você precisa ter os blocos de construção brutos para que o seu corpo gere as vitaminas, minerais, gorduras e proteínas encontradas naturalmente na pele.”

Quando o assunto é decidir quais produtos de tratamento da pele você irá comprar, dermatologistas como Draelos e Sommerlad oferecem alguns conselhos.

Se você tiver pele saudável, use um higienizador suave e um bom umectante, que sejam adequados ao seu tipo de pele. Proteja-se com filtro solar, preferencialmente que tenha vitamina C ou outros antioxidantes. E adote a premissa de que “menos é mais”, consumindo produtos com menos ingredientes, especialmente se você tiver pele sensível.

“Outro conselho que ofereço aos meus pacientes é cuidar da sua pele como se fosse um lenço de seda”, explica Draelos. “Você não irá rasgar, puxar, perfurar ou repicar um lenço de seda – ele ficaria arruinado. A sua pele é igual.”

Se a sua preocupação for o envelhecimento da pele, Sommerlad recomenda acrescentar um retinoide à rotina acima. Ele irá ajudar a aumentar os níveis de colágeno e elastina.

“Mesmo assim, eu diria que é uma boa ideia conversar com um dermatologista que possa orientar você, porque este é um campo minado e você não quer gastar muito dinheiro com produtos que simplesmente prejudicam a sua barreira da pele ou não fazem aquilo que você deseja.”

Em um ponto, os especialistas concordam. A pele saudável é mais do que capaz de cuidar de si mesma.

“Muitas pessoas acham que você precisa fazer alguma coisa para a sua pele ficar saudável ou ter boa aparência”, segundo Draelos. “Mas, na verdade, a pele ficará bonita enquanto estiver saudável, por si própria.”

“Por isso, de certa forma, quanto menos você fizer, melhor.”

Quais substâncias podem ser absorvidas pela pele?

Vitamina C: a vitamina C pura, normalmente, não consegue penetrar na camada externa da pele. Ela também é muito instável e se decompõe rapidamente quando adicionada a cremes ou soros.

Mas existem muitos tipos diferentes de vitamina C – os chamados “derivados” – e alguns deles podem viajar mais profundamente dentro da pele, onde também permanecem estáveis por mais tempo.

Peptídeos: alguns peptídeos podem atravessar a pele, mas isso varia muito. É possível aumentar a penetração ajustando sua estrutura molecular, ou em mistura com outros peptídeos, por exemplo.

Retinol: o retinol tende a penetrar pouco na pele. Mas a profundidade da penetração depende dos outros ingredientes da mistura.

Um experimento que envolveu a empresa Unilever concluiu que misturar o ingrediente com ácido oleico (uma gordura encontrada no óleo de oliva, entre outros produtos) aumentou sua capacidade de atravessar a pele.

Vitamina E: existem algumas evidências de que a vitamina E pode penetrar na pele até camadas mais profundas.

Mas, como a vitamina C, esta molécula tende a se decompor quando exposta ao ar e à luz. Por isso, para que seja eficaz, ela precisa ser transformada em uma forma mais estável e resistente à oxidação.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.


Famílias famintas e mães desdentadas: o retrato da miséria na ditadura que ficou ‘escondido’ nos arquivos do IBGE

Posted by: | Posted on: março 31, 2024

O Brasil vivia a rebarba do (1964-1985) — quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) colocou nas ruas 1.200 pesquisadores para percorrer o país e investigar o consumo das famílias, em especial a alimentação, numa das pesquisas mais ousadas e pioneiras da instituição.

Durante 1974 e 1975, o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef) acompanhou 55 mil residências em todos os Estados, em áreas ruais e urbanas, por sete dias, período em que os pesquisadores acompanhavam os hábitos alimentares dos moradores em todas as refeições, inclusive pesando os alimentos e as sobras.

Para que as famílias não tivessem receio em abrir seus lares e seus hábitos para os pesquisadores, foi lançada a campanha “Abra a porta para o IBGE”, com a atriz Regina Duarte como garota-propaganda.

A ampla pesquisa tinha “objetivos múltiplos para atender, basicamente, as necessidades de planejamento do governo”, dizia uma publicação de 1978 com parte dos resultados. O IBGE precisava conhecer melhor o consumo das famílias para desenvolver índices de preço (medidas de inflação), indicadores sociais e aperfeiçoar o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB).

Ou seja, o Endef serviria como base para outras pesquisas fundamentais para entender o país e planejar a atuação do Estado, naquele momento regido por uma ditadura — regime iniciado há sessenta anos, com o golpe de 31 de março de 1964, que derrubou o presidente João Goulart.

Esperava-se também, com a pesquisa, obter uma mapa das deficiências alimentares da população. A importância do levantamento era exaltado em editorial do Jornal do Brasil de agosto de 1974, quando teve início o trabalho de campo.

“Acaba o IBGE de iniciar, em âmbito nacional, um recenseamento menos espetacular que o da população, mas que poderá exercer incalculável influência no planejamento nacional e na própria humanização do país”, dizia o jornal.

O aspecto mais inovador do estudo, porém, não serviria diretamente aos objetivos estatísticos, embora fosse considerado essencial para entender as condições de população pelo diretor do Endef, o sociólogo e ex-oficial da Marinha Luiz Afonso Parga Nina.

Por ideia dele, foi inserido nos questionários um espaço para anotação livre, em que era sugerido aos pesquisadores que fossem relatados suas impressões pessoais sobre a situação dos entrevistados e a realização das entrevistas.

O resultado foi um registro detalhado da miséria e da fome que atingiam boa parte da população, apesar do ritmo acelerado de crescimento econômico dos anos anteriores. Essa parte do estudo foi publicado, mas acabou tendo sua circulação restrita, levantando suspeitas de censura pela Ditadura Militar, algo que não chegou a ser comprovado e até hoje é alvo de controvérsia.

“Já fizemos uma média de 120 domicílios, estando 70% na faixa de nível baixo, 20% casos extremos e 10% pessoas que conseguem o necessário para viver. Neste último caso, considero as pessoas que têm um emprego fixo, mas vivem privadas de muita coisa ainda”, diz um dos relatos sobre a pesquisa em Uberlândia (MG).

“Nas duas primeiras faixas, a base da alimentação é farinha de mandioca muito grossa feita em casa. O vestuário é sempre doado e, nos casos extremos, as pessoas cobrem o corpo com trapos disformes e imundos que cheiram mal”, continuava.

Outro relato, de uma pesquisadora que atuou em Boa Vista (RR), descrevia sérios problemas de saúde da população local: “Devido à má alimentação, são seres totalmente predispostos aos males do meio ambiente. Desde que uma dessas famílias tinha vindo do interior, ninguém pergunta se não teve ‘malária’ ou até mesmo ‘hepatite’ porque são doenças comuns no interior.”

“Mediante as dificuldades na compra dos remédios, são pessoas que ficam maltratadas para o resto da vida. As mulheres não são privilegiadas. Depois do primeiro filho, perdem logo os dentes (falta de cálcio) e sofrem as consequências de um parto mal feito durante muito tempo”, segue o relato.

“Em um domicílio, o homem da casa está enfraquecido devido à falta de alimentação e a senhora dele está débil mental em consequência de um parto mal feito. As crianças são raquíticas, de cor pálida e frequentemente com tosse”, descreveu ainda a pesquisadora.

No interior do Paraná, são vários os relatos da equipe do IBGE sobre a dura vida das famílias de boias-frias, que trabalhavam por diárias em fazendas da região.

“A fome tomava conta dos pequenos corpos humanos que habitavam a bela fazenda de café. (…) Soubemos de uma família que ia para o trabalho sem a pequena marmita de almoço, substituíam-no por ‘coco guavirova’ ou até chegavam ao extremo de comer folha seca de café.”

A BBC News Brasil teve acesso à publicação original da pesquisa — hoje disponível online — e a um compilado de relatórios semestrais dos pesquisadores do Endef produzido pelo setor de memória do IBGE em 2014.

‘Distribuição restrita’

A BBC News Brasil conversou com o servidor aposentado do IBGE Maurício Vasconcellos, que atuou por anos em diferentes etapas do Endef e, depois, chefiou alguns setores do instituto, como o Departamento de Censo Demográfico.

Ele acompanhou parte do trabalho de campo e chegou a presenciar a morte de um bebê durante o processo de entrevista, devido à extrema vulnerabilidade da família, mas não quis contar detalhes para não se emocionar.

“Esse estudo é terrível, porque, se você for ler, você vai chorar o tempo todo”, recorda.

Ele se refere a uma publicação que ganhou o nome de “Estudo das informações não estruturadas do Endef e sua integração com os dados quantificados”, produzida por Parga Nina, a partir dos relatos de campo.

Empolgado com a riqueza desse material, o diretor do Endef solicitou relatórios semestrais sobre as pesquisas de campo e sistematizou o material nessa publicação, criando categorias para os relatos, como “penúria alimentar”, “condições de saúde e higiene”, “emprego-desemprego” e “vida familiar”.

“É evidente que algo deve ser feito para captar o que as equipes de campo observaram, sentiram, viveram, ao longo desse ano de trabalho. Seria absurdo não fazer esta tentativa, e estariam perdidas informações que podem ser tão importantes e, em certos aspectos, mais importantes que os dados dos questionários”, dizia a introdução do trabalho.

“Não há nenhum sentido em procurar entender a ‘realidade sócio-econômica’ através de pesquisas, em qualquer campo, se não houver também um esforço para tentar compreender, por um mínimo de convivência, de simpatia, de contato direto, a dimensão humana do que está sendo investigado”, reforça outro trecho.

Apesar da grande importância dada a esse trabalho, ele não foi divulgado ao público. Foi impressa uma pequena tiragem de 250 cópias e algumas delas foram enviadas sem alarde a órgãos públicos e bibliotecas, como o Ministério da Saúde e algumas universidades.

Alguns volumes da publicação que permanecem nos arquivos do IBGE tem em sua capa escrita a mensagem “Distribuição restrita”, em letra cursiva que seria de Parga Nina.

Há também volumes com o carimbo de “confidencial”, que, segundo Maurício Vasconcellos, foram adicionados por ele depois, já após à ditadura, quando exemplares que estavam com a família de Parga Nina retornaram ao IBGE, após a morte dele.

Ele disse à reportagem que tinha receio que de alguns relatos permitissem identificar os entrevistados, ferindo o sigilo que é legalmente garantido às pessoas pesquisadas.

Na sua visão, a decisão de não divulgar o material amplamente nos anos 1970 teria partido do próprio Parga Nina.

“Eram informações brutais, situações horrorosas. Aí ele publicou esses livros e decidiu fazer uma distribuição restrita”, lembra.

Na sua visão, não houve uma censura direta do regime.

“A censura estava na imprensa. O IBGE publicava o que queria. Se o dado desagradasse o governo, ele não ia para o jornal. A gente tinha total liberdade para fazer o que quisesse e fazia”, contou.

A socióloga Cecília Minayo, pesquisadora aposentada da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), conviveu de perto com Parga Nina nos anos 80, quando ela saiu do IBGE para a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Lá, os dois desenvolveram uma espécie de desdobramento do Endef em menor escala, pesquisando zonas de pobreza no Rio de Janeiro.

Na sua leitura, a decisão de restringir o material seria reflexo de pressões externas e internas. Ela lembra que ele teria virado motivo de piada entre parte do corpo técnico do IBGE, que considerava as pesquisas qualitativas que ele desenvolveu estranhas ao foco estatístico do instituto, embora Parga Nina contasse com o apoio do presidente do órgão, Isaac Kerstenetzky.

“(E por parte) Dos militares, era o medo de que o Brasil grande, o Brasil do ame-o ou deixe-o, pudesse produzir pessoas que comiam barro, comiam fezes, comiam ratos, como a pesquisa de campo mostrou”, recorda Minayo.

O Endef, estudo ainda hoje pouco conhecido, teve seu momento de fama logo após o fim da ditadura, quando a revista IstoÉ descobriu essa parte não divulgada da pesquisa.

A publicação deu uma reportagem de capa para o tema em outubro de 1985, com a manchete “Fome Censurada”, sobre a imagem de uma criança pobre, nua, segurando um rato.

Parga Nina negou que tenha havido censura em uma carta à revista, disponibilizada à BBC News Brasil por Maurício Vasconcellos.

“O trabalho foi realizado pela administração Isaac Kerstenetzky, com participação pessoal do presidente. Seria totalmente incoerente que viesse ela a fazer sobre seu próprio trabalho a censura descrita na reportagem, ou no editorial”, respondeu.

Segundo Leandro Malavota, historiador da Equipe Memória IBGE, não há elementos históricos que permitam responder com certeza por que parte do estudo teve circulação restrita. Na sua leitura, houve uma espécie de autocensura, relacionado ao contexto da ditadura.

“O Endef é o reverso do milagre econômico. Ele mostra o Brasil que a ditadura não queria mostrar. Então, ainda que eu não tenha encontrado nas minhas pesquisas qualquer tipo de determinação formal para que aquelas informações não fossem divulgadas, eu acho que, de certa forma, houve uma contenção por parte dos próprios participantes daquela pesquisa para que aquelas informações muito sensíveis não chegassem ao público”, avalia.

Malavota ressalta que o IBGE, desde sua criação nos anos 1930, no governo de Getúlio Vargas, até a ditadura militar, era visto como um órgão que atendia aos interesses de planejamento do Estado. Ou seja, apenas após a redemocratização, o órgão passou a ser visto como uma instituição voltada para a sociedade, com aumento da transparência.

Ainda assim, lembra ele, as pesquisas costumavam ser divulgadas, como ocorreu com a parte estatística do Endef.

Esse material, porém, não gerou grandes reportagens, até porque o IBGE divulgou, em etapas, dados bem detalhados sobre quantidade de calorias e tipos de nutrientes ingeridos pela população em diferentes regiões, mas não produziu de imediato um indicador mais geral a partir desses números, como qual seria o índice de desnutrição da população — cálculos feitos posteriormente por Maurício Vasconcellos em sua tese de doutorado a partir de dados do Enfed identificaram, numa estimativa conservadora, que ao menos 22% do universo pesquisado seriam de subnutridos.

Uma busca da BBC News Brasil nos arquivos dos jornais O Globo e Jornal do Brasil identificou registros breves sobre os resultados do Endef.

Em oito de março de 77, por exemplo, o jornal O Globo noticiou sem grande destaque a divulgação dos dados preliminares do Rio de Janeiro e da região Sul, que contou com a presença de Isaac Kerstenetzky .

“No Rio de Janeiro, os dados obtidos pela pesquisa indicam que a população do Estado ingere, em média, uma quantidade adequada de calorias, enquanto que a quantidade de cálcio ingerido é menor que as suas necessidades, e a ingestão de proteínas, ferro e vitaminas é superior ao necessário”, registrava o jornal.

A matéria acrescentava que não era possível fazer “uma comparação entre a dieta alimentar da população da Baixada Fluminense e aquela de áreas habitadas por pessoas de nível de renda mais elevado”.

“O presidente do IBGE explicou que o ENDEF não foi concebido para desagregar os dados a esse nível. Isso, inclusive, em sua opinião, não seria justificável. Para ele o importante é relacionar a dieta alimentar com outros dados como, por exemplo, profissão e a situação econômica dos comensais”, dizia ainda a reportagem.

O baixo impacto do Endef junto à opinião pública contrasta com os resultados do Censo de 1970, que geraram forte debate nacional e incomodaram a ditadura ao revelar os altos níveis de desigualdade de renda do país.

Ainda assim, a pesquisa foi de fato usada no desenvolvimento de novos índices de preço e indicadores sociais, além de permitir um cálculo mais preciso do PIB, já que o consumo das famílias tinha — e tem ainda — um peso grande na economia brasileira.

O altos e baixos do IBGE na ditadura

A relação do IBGE com a ditadura militar teve altos e baixos, mas, em geral, o regime foi positivo para o órgão, afirmam ex-funcionários e historiadores que estudam o tema.

Professor adjunto do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro da Universidade Candido Mendes (IUPERJ-UCAM), o historiador Alexandre Camargo diz que “os períodos de ouro” da capacidade de produção do IBGE foram momentos de Estado forte, como a Era Vargas e os anos 70, período da presidência de Isaac Kerstenetzky (1970-1979).

Eurico Borba, que foi diretor-geral do IBGE nos anos 70 e depois presidiu o instituto (1992-1993), que Kerstenetzky tinha grande prestígio com o ministro do Planejamento da época, o economista João Paulo dos Reis Velloso (1969-1979).

“Eu acho que nós fomos felizes, foi um período abençoado em pleno período militar, nos anos de chumbo, porque basicamente o professor Isaac tinha sido professor do João Paulo dos Reis Velloso. Quando eu levava os problemas e batiam na trave do Ministério do Planejamento, o professor Isaac resolvia”, recordou.

Por outro lado, Borba via o então ministro da Economia, Delfim Netto, como “inimigo do IBGE”, que teria boicotado o órgão devido aos resultados do Censo de 1970.

“Pouca gente se dá conta que o regime militar começou a balançar com a ideia do milagre brasileiro quando em 1972 nós lançamos um estudo preliminar com uma amostra de 1,85% dos questionários completos do Censo, mostrando que nós tínhamos um problema sério de distribuição de renda, de emprego, de qualificação da habitação, de saneamento, de educação”, disse, no depoimento disponível em vídeo.

“E o presidente (Emílio) Médici fez aquele célebre discurso no aeroporto de Recife em que disse ‘o Brasil vai bem, o povo vai mal’. O ministro Delfim Netto, desde aquela época, ficou inimigo do IBGE, prejudicando a importação de computadores”, continuou.

“Tanto que a primeira parte do censo dos anos 70 foi processada nos computadores da PUC-Rio, porque o Ministério da Fazenda, querendo justificar de qualquer maneira o milagre brasileiro que não existia, impediu a importação dos equipamentos que nós já havíamos comprado da IBM”, contou ainda.

Delfim Netto é ainda alvo de críticas quando foi ministro da Agricultura e Secretário do Planejamento no governo João Figueiredo (1979-1985), período em que teria tentando interferir no cálculo da inflação.

Aos 95 anos, Delfim Netto não quis comentar as críticas, por estar focado no cuidado da sua saúde, disse sua assessoria à reportagem.

Para Maurício Vasconcellos, os ventos da democratização entraram como um furacão na instituição. De 1985 a 1993, foram oito presidentes diferentes, ressalta.

Na sua avaliação, o IBGE sofreu com a falta de um arcabouço institucional que lhe desse mais autonomia. “Não uma independência absoluta em relação ao poder executivo, mas uma forma de controle social que permita o mínimo de autonomia em relação ao poder público, suficiente para assegurar a continuidade administrativa e técnica necessária a realização de projetos que, não raro, atravessam mais de um mandato presidencial”, defendeu em sua tese de doutorado.

Se o fim da ditadura trouxe mais instabilidade ao IBGE, também foi o momento da ganhos importantes de transparência e participação da sociedade no desenvolvimento das pesquisas, ressalta o historiador Alexandre de Carvalho.

“O IBGE se democratizou. (Passou a dar) Transparência e acessibilidade máxima às pesquisas, pontualidade nos resultados, (passou a ter) cobrança, participação de movimentos sociais na montagem das pesquisas”, destaca.

“Então, é uma pressão que se colocou a partir dos anos 1980 e o IBGE respondeu muito bem. Hoje, é uma das instituições de Estado mais abertas a esse diálogo e pioneiras inclusive na disponibilização digital de banco de dados inteiros”, reforça.

Camargo defende um resgate da importância dos relatórios de campo do Endef e um melhor tratamento desse material.

“(Essa pesquisa) Tem uma importância incrível para a memória e para a história das Ciências Sociais brasileiras. É o que se tem de mais documentado sobre como se dá a interação de um agente do IBGE com as pessoas em casa, e a barreira de classe sendo determinante no resultado a ser atingido”, explica.

“Isso é uma agenda de pesquisa (que está) a mil hoje globalmente falando nas Ciências Sociais, no que envolve especialmente a construção de dados para políticas sociais. E isso (os relatos de campo do Endef) é um repertório magnífico, inteiramente desconhecidos e ainda sem tratamento”, ressalta.